segunda-feira, 14 de abril de 2014

It's gonna a be a long walk


Veremos se depois de 400 páginas aprendo qualquer coisinha com o Nobel da Economia. Deixei o Don DeLillo e Amos Oz em stand-by. Já lá vamos!

sexta-feira, 11 de abril de 2014

"Não faças o português!"




No início foi engraçado, mas logo se tornou numa associação irritante. Após uma centena de vezes a ouvir “Non fai il portoghese! Não faças o português!” dei por mim a pensar que não gozamos de boa fama, uma vez que para a maioria dos italianos a expressão está ligada a “mau pagador” ou “aquele que quer alguma coisa à borla”.

Um pensamento que me acompanhou durante estes dois anos em que estou a viver em Itália. Se não era o Cristiano Ronaldo vs. Mourinho, era a famigerada expressão. Seria eu que regateava demasiado? Mas afinal quem não gosta de borlas? E porquê apenas os portugueses e não outras nacionalidades? Ninguém, novos e velhos, me deu até ao dia de hoje uma resposta convincente. Apenas um encolher de ombros e um sistemático: “É o que se costuma dizer”.

Era uma espécie de inquietação. Uma necessidade de limpar a imagem de um povo que não sabe outra coisa senão pagar. Pagar à "troika", pagar pelos erros dos governos, pagar cada vez mais impostos, pagar para trabalhar. E nós, povo obediente e cumpridor, pagamos. Tudo e mais alguma coisa.

Face a este facto, e graças à pesquisa de uma amiga, foi possível devolver a verdade, ou pelo menos, a boa fama aos portugueses. Assim, é preciso recuarmos à Roma do século XVIII. O embaixador de Portugal convidou os portugueses aí residentes a assistirem gratuitamente a um espectáculo teatral, a ter lugar no Teatro Argentina, onde para entrar bastava declarar a nacionalidade portuguesa. Não era necessário convite formal. Ora, aproveitando-se desta situação muitos romanos fizeram-se passar por portugueses, usufruindo de um serviço para o qual não tinham título. Daí nasceu a expressão ainda hoje usada, embora por vezes incorretamente, “fazer o/de português”.

Mistério desvendado! Nesta história verídica os italianos foram os chicos-espertos, mas nós, portugueses, continuamos a ser os melhores pagadores da Europa.

Publicado no P3 do jornal Público
Crónica 

domingo, 6 de abril de 2014

Para que serve a Utopia?

O jornalista/escritor uruguaio Eduardo Galeano explica-nos o sentido da utopia, tantas vezes ligada  à palavra "impossível". 



terça-feira, 1 de abril de 2014

O Cinema é tão Belo (XV)


Michael Fassbender, in Shame

Todo o mundo cabe em Istambul


Por onde começar quando a cidade se chama Istambul? Torre de Babel, onde vivem cerca de 19 milhões de pessoas vindas dos quatro cantos do mundo. Não são números oficiais, mas apenas suspeitas daqueles que vêem a cidade a crescer, ao mesmo tempo que se multiplica o número de mesquitas e centros comerciais mandados erguer pelo atual governo.

As eleições municipais são já a 30 de Março e o ambiente está quente, sobretudo depois dos recentes escândalos de corrupção que envolvem o primeiro-ministro turco. Há 11 anos no poder, Recep Tayyip Erdoğan é acusado do desvio de mil milhões de euros dos cofres públicos.
Mas o que aqui nos traz faz-nos esquecer a situação política e os violentos protestos na Praça Taksim. Istambul significa a entrada num mundo onde se confundem o laico e o religioso, o místico e o moderno, o bairrista e o cosmopolita. Depois há a outra Turquia.

Um país que chegou até mim através dos filmes de Fatih Akin, da música de Shantel, das ilustrações de Selçuk Demirel, de uma telenovela brasileira e de dois hóspedes que recebi através da rede Couchsurfing.
À chegada a Istambul o que marca não é tanto a língua, aglutinante, mas antes o ritmo vibrante da cidade só interrompido pela pausa para o chá, ou “chay” em turco. Afinal, estamos com um pé na Europa e outro na Ásia à distância de um ferry ou de uma ponte.

Com tantas pontas soltas, o melhor é começarmos pelo início, ou seja, pelo pequeno-almoço, a maior e mais importante refeição do dia para os turcos. Portanto, não se espante se em vez de um convite para jantar receber um convite para o pequeno-almoço. À mesa, sal. Muito sal. Pão, folhados de queijo, pimentos, mais três tipos diferentes de queijo, azeitonas, tomate, pepinos e, claro, chá em abundância.
Em Besiktas, onde fico alojada, no domingo de manhã as pessoas fazem fila nos cafés. No menu do pequeno-almoço há menemen, sucuk, simit… Vai ser assim durante toda a tarde, porque afinal a noite foi longa para os mais jovens em Istiklal.

Bem conhecido dos portugueses, Besiktas surge inevitavelmente associado ao clube de futebol. A águia à entrada do bairro mostra a importância do emblema preto e branco que se encontra na terceira posição do campeonato turco. Em Besiktas, bairro situado na zona de Bósforo, respira-se o verdadeiro dia-a-dia turco, feito sobretudo de comércio e restauração. No entanto, a nossa tour deve passar obrigatoriamente pela pérola do império otomano, Sultanahmet. É para lá que vou antes da partida para a Capadócia.

Cheira a peixe fresco na Ponte Galata. De manhã à noite, faça chuva ou sol, é o spot favorito dos pescadores de Istanbul, que religiosamente ocupam os poucos espaços deixados vagos no corrimão. Um ritual que muitos dizem ser de meditação, apenas quebrado por um doce tilintar. Ao fundo da ponte, já se ouve o vendedor ambulante de chá que apregoa “chay, chay, chay!”. No piso inferior do tabuleiro, os restaurantes preparam-se para receber mais uma enchente de turistas para almoço.
Perco-me umas horas no Palácio Topkapi, entre sultões da antiga Constantinopla e um Harém, outrora povoado por concubinas e eunucos. Não muito longe avisto a Mesquita Azul que chama os fiéis para a oração do início da tarde. É o Azan. Os turistas, esses são convidados a sair.
Sem pressas voltarei nos próximos dias a Sultanahmet.


Na Capadócia, “Natureza” escreve-se com letra maiúscula





De Istambul à Capadócia distam entre si 600km. Para os mais resistentes, as 10 horas no autocarro noturno passam a correr, mas se não abdicar de uma noite que seja em Istambul, um voo doméstico até Kayseri leva menos de uma hora.
Göreme é o ponto de partida de uma viagem que lhe promete arrancar muitos “Uaus” e “wow’s”, dependendo da nacionalidade. Mas será também um lugar onde pode, em silêncio, observar o incrível poder da natureza e talvez, porque nunca é tarde demais, fazer as pazes com ela.
Admiramos imensos vales: vermelhos, verdes, castanhos de onde se elevam imponentes formações rochosas, que os vulcões deram e o ser humano aproveitou, construindo há milhares de anos casas, igrejas, armazéns e abrigos. Património da Humanidade da UNESCO, o Museu ao Ar Livre de Göreme é apenas um exemplo do engenho dos monges cristãos, que aqui se fixaram no século III. É a maior concentração de grutas na região e dentro delas pode admirar os frescos com motivos religiosos, incluindo S. Jorge no seu cavalo.
Para trás deixo o complexo monástico e rumo a Göreme com o objetivo de confortar o estômago, mas a caminho sou atraída pelas enormes “chaminés” que compõem o “Love Valley”. Porque os olhos também comem, decido matar esta fome primeiro. Uma extraordinária paisagem cónica por onde podemos serpentear calmamente. Usadas sobretudo por agricultores, que ali conservavam colheitas, fazem parte de uma das muitas maravilhas da Capadócia, tal como Devrent, Ihlara e Pigeon Valleys.
Próxima paragem: cidade subterrânea de Kaymakli. Das existentes, trata-se da menos turística, mas curiosamente a maior horizontalmente, com oito níveis e cerca de duas mil divisões. Dentro, uma temperatura constante de 15 graus. Para perceber os meandros deste labirinto subterrâneo é necessária a ajuda de um guia, que se pode contratar no local. Só assim saberá, entre outras coisas, que Kaymakli era usada como abrigo em tempo de guerra e que possuía um avançado sistema de ventilação, que para além de ar fresco servia como ponto de vigia.



Não escondo o entusiasmo pela viagem em balão de ar quente que me obriga a acordar às cinco da manhã. A oferta é muita e a sugestão é que não aceite preços na ordem dos 150 euros por uma hora de voo. Na Turquia regatear é a palavra de ordem, logo faça uso disso. É que os valores podem cair para os 80 euros por pessoa.
Cartão de embarque na mão e de repente já estamos lá em cima, junto das dezenas de balões que pintam de cor os céus da Capadócia. Se calcorrear estes vales é entrar num mundo encantado, imagine o que é sobrevoá-los suavemente ao nascer do sol. Os olhos falam por si e não há grandes conversações dentro da cesta, que transporta cerca de 15 pessoas. Apenas se ouve a voz do comandante que vai dando as coordenadas de navegação. Momentos há em que quase podemos tocar as rochas macias e outros em que já estamos a 900 metros de altitude. E uma vez em terra firme, a nossa cabeça vai continuar nas nuvens nos próximos dias.


Mas Capadócia é também sinónimo de gastronomia. Depois de experimentar quatro restaurantes da pequena vila, aceito o conselho de um jovem chef inglês que, tal como eu, viaja sozinho. “Trust me! Everything was so good, even the fruit”. A curiosidade aguça o meu apetite e parto em busca do restaurante Pumpkin. Apesar do selo de qualidade do Trip Advisor, situa-se fora do circuito turístico de Göreme. No entanto, é fácil encontrá-lo. Basta procurar, na avenida principal, pelas lâmpadas em forma de abóboras que adornam a entrada.
Detenho-me à porta, enquanto espero pela companhia para o jantar. A noite está fria e o dono convida-me para entrar. Recuso gentilmente e recebo em troca um chá e dois dedos de conversa. Perdi a conta à quantidade de chás que bebi desde que cheguei à Turquia, mas Ozi debita com orgulho os números de um dia normal: 20 chávenas grandes e 40 na çay bardagi, a típica chávena turca. Um número necessário para o homem dos sete instrumentos. No pequeno e acolhedor restaurante, Ozi é cozinheiro, empregado de mesa, ouvinte e até artista em part-time. As abóboras de vários tamanhos, cores e feitios são da sua autoria.
O jantar não defrauda as expetativas de uma portuguesa, duas chinesas e uma japonesa, tendo sido elogiado das entradas à sobremesa. A minha estadia na Capadócia termina assim da melhor forma, ou seja, à mesa.

Dos gatos de Ayasofya às cores do Grande Bazar




Há gatos que passeiam vagarosamente, roubando o protagonismo aos milhões de mosaicos bizantinos e às dezenas de candeeiros suspensos de Ayasofya. Os felinos fazem as delícias dos visitantes e há mesmo quem já tenha dedicado um blog a um dos gatos residentes.
No museu, que foi em tempos catedral e mesquita, decorrem trabalhos de recuperação, fato que não diminui a magnificência deste ícone islâmico, mas apenas obriga os turistas a encontrarem melhores ângulos fotográficos.
Nas imediações, não é difícil falhar, consecutivamente, a entrada na Mesquita Azul. As pausas para as orações obrigam ao cumprimento de horários rígidos, mas numa cidade onde as mesquitas abundam em número em tamanho, a opção “não turística” também é obrigatória. Descalce os sapatos, coloque um véu se for mulher, e entre à descoberta.


A caminho do Grande Bazar e do mercado das especiarias esquecemos o mapa no fundo da mochila. Está na hora de nos sentirmos maravilhosamente perdidos nestes mercados encantados de portas imponentes e longas avenidas de lojas. Há de tudo aqui, incluindo as histórias dos comerciantes servidas com chá feito na hora.
Não me vou daqui embora sem recarregar energias num Hamam. Há para todos os gostos, dos mais requintados em Sultanahmet ou Galatasary, aos mais bairristas. Opto por jogar em casa. No Hamam de Besiktas, homens de um lado, mulheres do outro, escolheram o final do dia para o ritual de purificação do corpo. Três pesadas senhoras lavam e massajam dos pés à cabeça, enquanto falam entre si.

Em Taksim há uma marcha silenciosa que assinala o Dia Internacional da Mulher. Foi organizada à revelia das leis que proíbem qualquer tipo de manifestação nesta praça, palco de protestos no verão passado. Há polícias de intervenção e jatos de água apontados às centenas de mulheres presentes. É mais um sinal de revolta de uma geração de jovens que condena, as medidas implementadas no segundo mandato de Erdoğan, como o fim da interrupção voluntária da gravidez ou a obrigatoriedade de três filhos por casal. O Facebook, Twitter e o Youtube estão na iminência de serem bloqueados.

“O clima é de paz podre”, conta Nuno Mendes Santos que acabo de conhecer em Besiktas. A viver e a trabalhar em Istambul, este jovem português acredita que a crise política na Turquia só terá fim à vista quando Erdoğan sair do governo ou quando se solidificar totalmente, destruindo tudo à sua volta. “Sabes que tens tudo a perder por te juntar às manifestações, mas também sabes que se não o fizeres, já o perdeste à partida”.
Cai a noite e tudo parece voltar ao normal. Ainda há tempo para um último chá em Istambul.



(Publicado no P3 do Público)
Fotos: Cátia Castro