Nos Balcãs redescobre-se o prazer de viajar de comboio. As viagens são demoradas, mas não há pressa em chegar ao destino e sempre podemos admirar a paisagem nos cerca de 130 quilómetros que ligam Sarajevo a Mostar. As carruagens são antigas e ainda possuem compartimentos fechados. Divido o meu com um rapaz de Singapura e uma senhora bósnia que fuma descontraidamente o seu cigarro. O comboio entra no túnel e toda a carruagem fica às escuras. Não consigo imaginar melhor cenário para um filme de suspense.
A vinda a Sul está
relacionada com um símbolo da guerra na Bósnia. A Ponte Velha foi
destruída em 1993, dividindo a cidade em bósnios-croatas e
bósnios-muçulmanos, tendo sido recuperada uma década depois. Em
conversa com locais pude notar uma certa divisão no dia-a-dia dos
habitantes, apesar de reinar um discurso de tolerância entre
Ocidente e Oriente.
Um
postal perfeito que pode admirar de vários ângulos, mas o melhor é
subir ao topo do minarete da Mesquita Koshi Mehmed Pasha, onde se tem
uma visão de 360 graus sobre a ponte e o centro histórico,
considerados Património Mundial da UNESCO. Com sorte pode ver daqui
o famoso salto dos rapazes de Mostar.
Uma tradição iniciada há vários anos e que possui diferentes
versões, sendo uma delas uma forma de impressionar as raparigas da
cidade.
Todos os dias, dois ou três rapazes de corpo atlético recolhem dinheiro entre os turistas antes de se lançarem no rio. O mínimo são 50 euros por um salto de 21 metros, mas os valores podem aumentar mediante a audiência, que espera impacientemente nas margens e no tabuleiro da ponte. Máquinas fotográficas e telemóveis prontos a registar o melhor momento de um salto de adrenalina ou de hábito.
Enquanto espero por mais um
salto sento-me à sombra, numa das muitas esplanadas que embelezam as
margens do Neretva. Um prazer que não é só obrigatório como
revigorante em dias quentes embalados ao som de Sevdah. A música
tradicional bósnia, que a emprega de mesa explica, está entre os
blues e o nosso Fado. A nota dominante é o amor. Talvez a única
coisa que nenhuma guerra pode destruir.
Crónica publicada no P3, jornal Público
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